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“Persiste no senso comum — e mesmo em setores do meio acadêmico — a ideia de que as inquisições católicas da época moderna eram instituições que funcionavam sem regras, queimando bruxas e judeus aos milhares, sem que os réus tivessem qualquer possibilidade de defesa. Desconstruir esses e outros mitos inquisitoriais nem de longe implica uma defesa de tais instituições, muito menos uma tentativa de revisionismo histórico. Muito pelo contrário.

O maior mérito deste livro de Isabela Corby é justamente esse: oferecer uma interpretação histórico-jurídica das ações do Santo Ofício português nas Minas setecentistas, em relação ao delito de feitiçaria, destacando o caráter judicial da instituição. Como observa a autora, a Inquisição portuguesa era um tribunal de justiça de seu tempo, premissa fundamental para entender a história do Tribunal e de seus réus.

O principal problema histórico enfrentado por Isabela neste livro é tentar entender o descompasso entre, de um lado, uma grande quantidade de denúncias e, de outro, um reduzido número de processos judiciais delas decorrentes. Tal problema enseja uma importante questão para o desenvolvimento do texto: no século XVIII, como se configurava o modo de proceder do Santo Ofício português em relação ao crime de feitiçaria nas Minas Gerais?

Não sem alguma surpresa, a leitura deste livro nos permite ver o quanto a prudência de juízes e promotores da Inquisição portuguesa — materializada nas preocupações relativas à qualidade das provas necessárias para se processar, prender e condenar quem quer que fosse — acabou por afastar vários acusados da possibilidade de se tornarem réus do Tribunal. Seria este mais um livro de História do Direito? Não apenas: é um livro sobre o Direito na História."

Alécio Nunes Fernandes

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